sexta-feira, 23 de maio de 2008

A janela


Meu amigo escreveu um conto e eu achei bem interessante.Aproveitem!


Londres estava mais fria do que nunca.Nunca houvera inverno tão rigoroso como aquele de 1895. Nunca houvera casacos tão grossos, cobertos por pele de exóticos animais andando apressadamente pelas ruas esfumaçadas.
Um dos casacos ambulantes, caro leitor, será conhecido por nós como David Sadman.Jovem , com mais ou menos vinte e três anos , e sério.David era médico , formado em uma universidade alemã.Sua família era abastada e seus negócios não podiam estar melhores.
Não fique com raiva de minha interrupção , por obséquio , mas é extremamente imperioso lhes contar um pouco sobre esse rapaz , afinal tudo de sombrio e misterioso desta história ocorrerá com ele.
Como dizia, David estava muito apressado.Tinha uma consulta e não podia se atrasar. Quando ao meio dia havia saído para almoçar, perdeu a noção do tempo e se encontrava da maneira como eu descrevera.
Ao chegar ao consultório, pendurou seu casaco preto na chapeleira e se sentou a sua extensa mesa, a espera do paciente. A única luz que ousava invadir a sombria sala vinha de uma pequena janela, localizada atrás da mesa.
O paciente chegou após uns vinte minutos. A consulta ocorreu muito rapidamente.Cinco minutos de exame e apenas dois para a elaboração da receita médica.
O restante dos pacientes do dia não foi tratado com maior zelo. Se David era um bom médico meu leitor, isso não poderia negar, mas aquele dia em particular estava demasiadamente frio e o sol se despediria as 16 horas , como em todos os dias do inverno.
Quando o último paciente saiu, o jovem doutor vestiu seu casaco e seu chapéu e rumou em direção a sua casa. A lua já vigiava a noite quando o moço chegou .
Abriu a portinhola repleta de musgos, se dirigiu até a porta feita de vitrais da grande casa e se sentou na sala para saborear um livro que comprara no dia anterior.
Quando o relógio de madeira de sua soberba sala anunciou ser 18 horas, o jovem fechou o livro, colocou-o delicadamente sobre a mesa do centro e foi se arrumar para jantar. Ao entrar no quarto notou que a janela ainda estava aberta trazendo um vento cortante que atravessava o cômodo .
Quando foi fechá-la viu um brilho estranho vindo da janela da casa ao lado. Se assustou ao perceber que o brilho era um par de olhos amarelos.Fechou rapidamente a cortina e foi tomar banho.
Quando estava prestes a sair para jantar em algum Pub, olhou novamente para a janela fechada de seu quarto. Não ousava abri-la novamente naquele momento , mas a curiosidade cada vez mais controlava sua mente.Com um forte puxão , abriu a maldita janela como uma tentativa inútil e quimérica para provar que sua imaginação lhe pregara um peça , pois os dois olhinhos continuavam lá.Convencido de que andava muito cansado , não deu importância e partiu.
Quando retornou, estava dominado pelo sono e foi direto se deitar.
David acordou com um miado. Desceu da cama , calçou as pantufas azuis e foi até o parapeito da janela.Lembrou-se imediatamente dos olhos da noite anterior.Com um pouco de receio , abriu a janela para respirar o ar puro da manhã. Não pode resistir e olhou para a janela do vizinho.Os olhos haviam desaparecido.”Foi apenas minha pobre mente cansada” , pensou sorrindo.
Logo após o café, foi até o consultório para mais um longo dia de trabalho. Ao 11 horas e meia recebeu a visita de sua noiva ,Patience Foster , para que almoçassem juntos.Depois do almoço , a moça se despediu e David voltou ao consultório.
Ao anoitecer, retornou ao seu lar, como de costume. Leu um pouco e se arrumou , pois marcara um jantar com Patience. Quando seu pé ousara dar um passo para fora do quarto, lembrou-se dos olhos da janela ao lado.Desejou abri-la.Hesitou. Enfim abriu. Estavam lá . Fitando-o. Agora não só eles existiam como o fitavam.Trancou a janela e saiu rapidamente.
O jantar pode-se dizer que até foi agradável. Riram , conversaram, beberam vinho.Tudo ocorreu normalmente apesar de Patience ter notado alguma aflição no olhar do noivo.Mesmo assim não perguntou nada , apenas manteve a conversa alegre.
Por volta das 22 horas, ambos se despediram e David voltou a sua casa. Dessa vez nem teve o escrúpulo de refletir , abriu a janela vorazmente. Lá estavam eles, fitando-o novamente, com um olhar maligno. Aquela cena gelou sua espinha da mesma forma que o inverno congela os rios. Suas mãos tremulas e suadas trancaram a janela. Deitou ma cama e logo adormeceu.
David acordou com um rugido. Desceu da cama, calçou suas pantufas de algodão e correu até o parapeito da janela.Com muito receio , abriu-a para identificar a presença dos olhos amarelos.Haviam desaparecido.”Não vou trabalhar hoje , está muito frio e não é seguro” , refletiu enxugando a gota de suor que descia sobre sua face.
Vestiu-se e foi tomar café. Durante toda a manha seu espírito foi tomado pelo mau-humor.Encarava todos os criados e falava com muita irritação.Logo após o almoço , recebeu uma carta de sua noiva.Um convite para um baile que aconteceria naquela noite. Guardou a carta (que fora o único acontecimento que lhe causara alegria no dia).
Passou o resto do dia lendo. Quando anoiteceu , foi vestir seus trajes formais para a festa .Enquanto se olhava no espelho , a imagem dos olhos amarelos perturbavam seus pensamentos.Mais uma vez , não resistiu , olhou através da janela.Estava lá , fitando-o de for,a maligna e agora ameaçadora.
“Morrerei com certeza, desta casa não sairei!” Ajoelhou-se e começou a orar desesperadamente. Abriu a gaveta do criado- mudo e agarrou uma cruz.Em seguida correu rapidamente até a janela e tropeçou.Ensangüentado , se apoiou no parapeito e bradou:
--- Que queres de mim?!Volte ao inferno que é onde tu pertences!Deixe-me em paz criatura das trevas!Que és tu afinal?!
A resposta não veio .Nem um sinal se quer.O silêncio era dominante.De repente... um senhor idoso e cansado apareceu na janela e disse:
--- Meu jovem , se minhas velas te perturbam tanto, poderias ter me falado antes.Não é o caso de me ofender!

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